Precisamos conversar sobre exílios
Manu amada,
A realidade se impõe. Explico: quando me propus a escrever para você, era baseado na franqueza da nossa relação e tudo que eu poderia dizer a ti neste período de distância. Minhas visões: da vida, do Planeta, do nosso país. Algo como um seriado do piloto Calhamaço. Para ser lido agora e no futuro, embalados na saudade e o que vivemos nesses tempos; felizes, sim, esperançosos, mas não falseados pela história, essa diva. Por isso precisamos conversar sobre exílios.
Exílios germinam dentro da gente, a esperar o momento de se manifestar. Pode ser a partida derradeira e necessária de Jeans, Andersons, Márcias, Déboras, que deixam o país por ameaças a ativismos por mais respeito ao próximo. Pode ser o exílio necessário de algo que impregna o ar, sufoca, aprisiona. O nada que é difícil determinar. São muitos os exílios que nos impomos, Manu. Todos necessários e prudentes.
O exílio em relação àqueles que cultivam o discurso de ódio, a desinformação ou ambos; que desprezam nossa humanidade; que dizem amar a natureza, mas não se importam com sua destruição; que dizem ser tolerantes, mas aplaudem os intolerantes. Seres que não se importam em vociferar isso em redes sociais, desprezando o bom senso de que do outro lado existe alguém que sempre os amou, amigos antigos até, feridos com palavras e posições.
Manu, nessa carta preciso lembrar o que já falei inúmeras vezes: confundir opinião com discursos de ódio é práxis atual. Quando se é contra o diferente, não é opinião, é intolerância. Quando se acha que só religião é que vai te salvar, não é opinião, é uma visão fanática de mundo. Quando se discrimina e persegue orientações sexuais e a diversidade de gêneros, não é opinião, é algo reprimido dentro de si.
Exilados! Em relação àqueles que eliminaram a zona humanista que deve existir além das posições e visões, além de apoiar ou não algum governo, além do que se é na sua essência. Excetuando grupos muito selecionados, hoje não existem mais espaços propícios para debates inteligentes, que foram eliminados pela sordidez e insensatez de pautas e ideias envelhecidas, na destruição do que tínhamos de melhor como povo: nossa paz. Uma falácia revelada.
Fomos envenenados, Manu, por um projeto de barbárie e de destruição de tudo conquistado até hoje por ideais iluministas nos últimos 150 anos; o nada a dominar todos os espaços, alimentado por pessoas que se perderam em mentiras compartilhadas; a escuridão por todo lado, por isso exílio é a palavra de ordem.
Mas o exílio também pode ser de assuntos que nos atormentam, vindo do noticiário e das máquinas de insensatez mantidas no Facebook, Twitter e WhatsApp; é tão saudável ficar distante, Manu. É tão saudável apreciar o belo, sem medo de alienação.
Exílios também surgem para quem tem uma visão de múltiplas existências. Estamos no mundo sem ser do mundo, estamos longe de casa, em outros lugares, e essa saudade e tristeza batem forte: banzo. Mas haverá o retorno. E viveremos dias de alegria e reencontro. Dentro de si e fora de si, em uma grande festa.
No silêncio das próprias reflexões: desta maneira comecei o mês. Com uma saudade incomensurável de ti, das nossas conversas, dos nossos debates, do seu sorriso, da sua presença física que toma todos os lugares. Dói às vezes. Mas estamos juntos, não exilados, mas conectados, para dias melhores, aqui e em cada caminho que percorremos.
Beijos à turminha.
Manoel Fernandes, 55 anos, é jornalista, editor, palestrante e curador de conteúdo para empresas e organizações. Foi criador de uma das mais tradicionais revistas alternativas da internet no Brasil, a NovaE. Calhamaço de viagem é seu segundo livro. Escreveu também Entrevista de atriz, ainda não publicado.
#Papito